Foto: Agência Lume
A região enfrenta diversos desafios de mobilidade, a criação de uma ciclovia interligando os 19 bairros promete soluções sustentáveis e maior integração com transportes públicos.
Editada em 11/12 - às 15h41.
A implementação de uma ciclovia interligando os 19 bairros da Baixada de Jacarepaguá, localizada na Zona Oeste do Rio de Janeiro, é uma antiga reivindicação das pessoas que moram e trabalham na região. Além de não haver transporte de trens, a Baixada de Jacarepaguá possui apenas uma estação de metrô. As pessoas que se deslocam para ou pela região dependem exclusivamente dos ônibus e das corridas de aplicativo.
De acordo com novos dados do Censo 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Área de Planejamento 4 (AP4) é a mais populosa da capital com 1.105.620 habitantes.
Possui uma população maior que 99% dos municípios brasileiros. Ao comparar os dados populacionais do IBGE de 2010, que registravam 909.368 habitantes, com os dados censitários de 2022, divulgados pelo Data.Rio, mostra um aumento populacional de aproximadamente 21,58% na Baixada de Jacarepaguá.
Elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o texto "Cidades cicláveis: avanços e desafios das políticas cicloviárias no Brasil" destaca a importância de continuar investindo em políticas cicloviárias para promover a mobilidade sustentável no Brasil. O estudo enfatiza que, apesar dos avanços significativos, ainda há desafios a serem superados, como a falta de infraestrutura adequada e a necessidade de maior integração entre diferentes modais de transporte. A conclusão também ressalta a importância da colaboração.
O Rio de Janeiro enfrenta um déficit significativo de ciclovias. Apenas 20% das vias da cidade possuem infraestrutura cicloviária exclusiva. Destes, 14% são ciclovias dedicadas apenas para a circulação de bicicletas, e 6% são ciclofaixas compartilhadas por bicicletas e pedestres. As demais vias são compartilhadas, com 54% das faixas nas calçadas e 26% nas pistas. Esse déficit limita a segurança e a mobilidade dos ciclistas, tornando necessário um esforço maior para expandir e melhorar a infraestrutura cicloviária.
Ciclo Rio 1.000 prevê km de ciclovias até 2033
No dia nove de março de 2023, o prefeito Eduardo Paes apresentou o Plano de Expansão Cicloviária, conhecido como Ciclo Rio. O plano prevê a construção de mais 600 km de faixas exclusivas para bicicletas combinadas aos 400 km de ciclovias já existentes, que receberão melhorias na sinalização e aumento da segurança. Ao todo, serão mil quilômetros disponíveis para ciclistas até 2033.
O plano prevê a criação de corredores que integrem as bicicletas aos transportes de alta e média capacidade, como trens, barcas, metrô, BRT e VLT, além de rotas comerciais para atender à demanda dos entregadores. Na época do anuncio, a secretária de Transportes, Maína Celidônio, relatou que uma avaliação completa das ciclovias e ciclofaixas da cidade foi conduzida.
A secretária também disse que houve uma consulta a entregadores além de pesquisas com ciclistas e usuários. E que foi elaborado um plano para a cidade, previsto para ser implementado ao longo dos próximos dez anos. Já Joaquim Dinis, presidente da CET-Rio, órgão responsável pelas ciclovias, 30 km já tinham sido implantados em 2022, com conexão com 55 estações. Outras 64 conexões estavam previstas para 2023, e 63 até 2024.
Movimentos Sociais participaram da construção do Ciclo Rio
A Associação de Moradores da Freguesia (AMAF) é uma das principais lideranças da Baixada de Jacarepaguá na defesa da implementação de um plano cicloviário. Ela busca incentivar o uso de bicicletas e reduzir a dependência de veículos motorizados. Em parceria com outras organizações e autoridades, a AMAF desenvolve políticas públicas focadas na mobilidade sustentável e na resiliência ambiental.
André Moreira é associado à AMAF, morador e ciclista. Ele conta que, em 2022, a Prefeitura elaborou o Plano de Expansão Cicloviária. Esse plano contou com a participação da sociedade civil. Ele também relata que esteve junto com outros associados da AMAF na Subprefeitura da Barra da Tijuca para discutir o plano com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima (SMAC).
“A SMAC executou a tarefa de elaborar um plano cicloviário. Esse plano foi dividido em quatro regiões, fizeram audiências públicas nessas regiões. Na audiência referente a nossa região, que é a Área de Planejamento 4 (AP4), a SMAC apresentou o Decreto Municipal nº49.461, de 21 de setembro de 2021. E esse decreto era referente ao Plano de Expansão Cicloviária. Na AP4, por exemplo, contava com 26 trechos pré-planejados pelos técnicos da prefeitura. Toda a Zona Oeste estava contemplada no plano”, relata.
Moreira conta que no dia 20 de janeiro de 2022, foi realizada uma visita da AMAF para identificar pontos de conflito no trecho 39 da ampliação da Rede de Mobilidade por Bicicleta (RMB) do Município do Rio de Janeiro. O relatório fotográfico resultante dessa visita serviu como referência para estabelecer sugestões de tipologia, traçado e estudo de sinalização do referido trecho.
O trecho 39, conforme o Decreto Municipal 49.461 de 21 de setembro de 2021, inicia-se na Estrada de Jacarepaguá, na interseção com a Avenida Arquiteto Afonso da Silveira Filho, e se estende até a conversão com a Avenida Geremário Dantas. A partir daí, o trecho continua por toda a extensão da Avenida Geremário Dantas até a interseção com a Rua Cândido Benício, onde se conecta com os trechos 77 e 104.
“A atividade foi realizada pelo Grupo de Trabalho do Movimento de Demanda por Mais Ciclovias em Jacarepaguá, eu participei junto com a Carolina Queiroz e Sidney Teixeira. Este projeto foi estimulado e apoiado pela Associação de Moradores e Amigos da Freguesia (AMAF).", relata.
Segundo o site da AMAF, as fotos foram obtidas com a ferramenta da internet, e incluíram vistas do trecho entre Jardim Clarice e Park Jacarepaguá Shopping, entre Estrada de Jacarepaguá número 7484 e Praça do Largo da Freguesia S/N, e entre Center Shopping e Centro Municipal de Saúde Jorge Saldanha. As demais imagens foram capturadas durante a vistoria.
Moreira explica que a visita técnica foi entregue à SMAC em reunião no dia 12 de maio de 2022, resultando no protocolo 03/001.075/2022. E que o CicloRio foi apresentado meses depois, no dia 21 de setembro de 2022. A apresentação foi digital. Havia planos para um evento de lançamento, mas ele não aconteceu. O plano passou por alterações até ser instituído pelo Decreto Rio n°52.132, no dia 9 de março de 2023.
Falta de um cronograma e baixo orçamento pode comprometer a execução do Ciclo Rio
Sidney Teixeira também é membro da Associação de Moradores e Amigos da Freguesia. Ele conta que o Ciclo Rio não possui um cronograma específico. Segundo ele, o único prazo que a Prefeitura e a SMRT informam é que a conclusão está prevista para 2033. Sidney ainda ressalta que o CicloRio era previsto para ser finalizado em 2022, mas só foi finalizado em 2023. A falta de um cronograma estabelecido dificulta a fiscalização e a cobrança da sociedade civil aos órgãos públicos.
“A nossa crítica é sobre a falta de um cronograma estabelecido no plano, o que deixa a população refém da vontade política. Sem metas específicas e um planejamento plurianual, a continuidade do plano depende da gestão do prefeito atual. No Brasil, é raro gestores executivos seguirem programas além de seus mandatos. A reeleição do prefeito traz esperança de continuidade, mas um novo prefeito pode não seguir o plano”, explica.
Sidney relata que para a Prefeitura e a SMRT alcançar a meta de 1.000 km em dez anos será necessário ter uma média anual de 100 km por ano. Porém, ele questiona que fica praticamente impossível alcançar por conta do baixo orçamento para executar o CicloRio. Ele conta que o orçamento deste ano foi de pouco mais de 4 km. E observa que a execução do CicloRio vem sendo voltado para o bairro Tijuca, enquanto moradores dos demais bairros não estão presenciando implementação de do plano em seus respectivos territórios.
“A ciclovia criada na Freguesia até a Praia da Barra da Tijuca está em mau estado desde as Olimpíadas. Não há um cronograma específico anunciado para novas ciclovias. A única meta estabelecida foi conectar todas as estações de transporte de média e alta capacidade com a malha cicloviária até o final de 2024, o que não foi cumprido. A CET Rio reafirmou essa meta várias vezes, mas o progresso tem sido lento. Com o orçamento para 2025 reduzido drasticamente, não há sinais de correção desse problema. A população espera que os vereadores se comprometam com o transporte ativo e façam mudanças”, relata.
Sidney conta que muitas estações de BRT, trem e metrô ainda estão sem conexão com ciclovias. Ele relata que a AMAF enviou e-mails para todos os vereadores da Câmara Municipal solicitando a abertura de uma audiência pública sobre o tema, que ainda não aconteceu. Até a publicação dessa matéria, a CET-Rio, a SMRT e a Secretaria do Meio Ambiente e Clima não responderam nossas perguntas.
Moradores reivindicam mais ciclovias
A AMAF surgiu em 1981 e a sua primeira reivindicação solicitando a implementação de uma ciclovia na região foi em 1983. Na ocasião, a associação organizou um passeio de bicicleta com a participação de mais de 300 ciclistas O passeio foi uma forma de cobrança à Prefeitura para a construção de uma ciclovia ligando o bairro da Freguesia até a Barra da Tijuca. Anos depois este pedido foi atendido pelas autoridades.
Todo ano a associação junto com outros grupos da sociedade civil organizam a “Bicicletada em Jacarepaguá”. O ato reúne ciclistas e moradores, que pedalam pelas ruas da região como uma forma de protestar pela implementação de um plano cicloviário. O ato também visa promover o uso da bicicleta como meio de transporte alternativo e sustentável.
Em 2024, a mobilização começou às 8h30 na Praça Professora Camisão, na Freguesia. O trajeto seguiu pela Estrada de Jacarepaguá (até esquerda da Estrada do Engenho D’Água), Estrada de Jacarepaguá (pista oposta), Rua Tirol , Rua Comandante Rubens Silva, Estrada dos Três Rios e terminou na Praça Professora Camisão.
Sidney Teixeira, integrante da AMAF, conta que é “eterna” a reivindicação da associação por ciclovias na região. Ele também relata que a associação já realizou outras mobilizações e que contribuiu na construção do CicloRio.
“No entanto, até agora, muitas estações não foram conectadas e o orçamento para a expansão é limitado. Apesar disso, algumas ciclovias de boa qualidade foram construídas, como na Rua Uruguai e no Centro do Rio. A dúvida permanece se o plano será cumprido até 2033, dado o orçamento atual”, questiona.
Moreira, um dos organizadores da bicicletada, explica que a implementação de ciclovias pode ser uma estratégia importante para redução das emissões de carbono.
“O setor de transporte é responsável por 14% das emissões globais de gases do efeito estufa. Carros, que representam mais de 70% dessas emissões nas cidades, são mais poluentes que ônibus em termos de material particulado por pessoa transportada. Em São Paulo, carros percorrem 88% dos quilômetros rodados por veículos motorizados, transportando em média apenas 1,3 pessoas por veículo, o que os torna ineficientes e contribui para o congestionamento. A maioria das viagens de carro tem menos de 5 km, uma distância que poderia ser facilmente percorrida de bicicleta, ajudando a reduzir esses problemas”, explica.
Benefícios para a Saúde e para o Meio Ambiente
Andar de bicicleta é uma das atividades físicas mais benéficas para a saúde e também como um caminho viável para uma cidade mais sustentável. Com a crescente preocupação com o sedentarismo e as mudanças climáticas, a bicicleta surge como uma aliada versátil e sustentável.
Do ponto de vista da saúde, pedalar regularmente ajuda a melhorar a aptidão cardiovascular, fortalece os músculos e articulações e contribui para a perda de peso. Segundo a Organização Mundial da Saúde, apenas 30 minutos de pedalada por dia podem reduzir o risco de doenças cardíacas, diabetes tipo 2 e outros problemas crônicos. Além disso, andar de bicicleta também tem benefícios psicológicos, como a redução do estresse e da ansiedade, promovendo um estado de bem-estar geral.
“O exercício físico regular traz inúmeros benefícios à saúde, tanto física quanto mental, e o ciclismo, como um meio de transporte ativo, pode proporcionar esses benefícios quando praticado regularmente. Além da saúde, o ciclismo diário pode reduzir emissões de carbono e outros poluentes, além de diminuir o congestionamento e a poluição sonora, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas e a saúde coletiva”, explica Sidney, que além de ser associado da Amaf é médico clínico geral e da família.
Para o meio ambiente, a bicicleta é uma opção de transporte que não emite poluentes, contribuindo para a redução da poluição do ar e do efeito estufa. Em comparação com veículos motorizados, as bicicletas ocupam menos espaço e não produzem ruído, tornando as cidades mais silenciosas e agradáveis. Cidades como Copenhague e Amsterdã são exemplos de como a integração de ciclovias pode transformar a mobilidade urbana, reduzindo a dependência de carros e melhorando a qualidade de vida dos habitantes.
A coalizão global PATH (Partnership for Active Travel and Health) defende políticas públicas que incentivem o transporte a pé e por bicicleta, devido aos desafios climáticos, de saúde e de equidade. No entanto, a percepção de perigo nas ruas e a falta de infraestrutura adequada são barreiras significativas para a adoção do ciclismo, sendo necessária uma infraestrutura cicloviária bem projetada para promover o uso da bicicleta.
Segundo pesquisa realizada pela Aliança Bike em parceria com o Laboratório de Mobilidade Sustentável da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, cada indivíduo que opta pela bicicleta em detrimento do carro contribui para a redução da emissão de 4,4 kg de dióxido de carbono (CO₂) por ano. Isso demonstra o impacto significativo que a promoção do ciclismo pode ter na redução das emissões de gases de efeito estufa.
Márcio D'Agosto é doutor em Engenharia de Transportes e presidente do Instituto Brasileiro de Transporte Sustentável, segundo o especialista, o uso de bicicletas como meio de transporte de pessoas e até mesmo de cargas é uma medida eficaz para promover a mobilidade saudável, entretanto é preciso que a população conte com uma infraestrutura adequada e seguranças pública para esta prática.
“Como transporte ativo, o uso de bicicletas consome metade da energia que a prática da caminhada com velocidade quatro vezes maior, de forma silenciosa e sem produzir emissões de poluentes atmosféricos de ação local, danosos a saúde da população ou gases de efeito estufa. Se usada de forma moderada, em rotas com traçado adequado (inclinações suaves e pavimento regular) a prática do ciclismo traz benefícios para a saúde do ciclista. Por ser uma região com topografia propícia (predominantemente plana ou com aclives relativamente suaves) a Baixada de Jacarepaguá apresenta potencial para a implantação de uma rede de ciclovias capaz de ampliar mobilidade de pessoas e cargas de forma integrada com o transporte público.” Explica D'Agosto
Além disso, o uso da bicicleta como meio de transporte pode gerar economia financeira significativa. Menos gasto com combustível, manutenção de veículos e até com transporte público são apenas alguns dos benefícios econômicos que andar de bicicleta pode proporcionar. Essa economia pode ser reinvestida em outras áreas da vida, contribuindo para uma gestão financeira mais saudável.
A promoção do ciclismo também inspira políticas públicas voltadas para a construção de ciclovias e a criação de zonas livres de carros, incentivando um ambiente urbano mais sustentável. Programas de compartilhamento de bicicletas, como o Bike Rio, têm ganhado popularidade e demonstram que a bicicleta pode ser um meio de transporte viável e acessível para todos.
A produção da Agência Lume entrou em contato com a CET-Rio, Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima, Secretaria Municipal do Transporte e Secretaria Municipal do Desenvolvimento Urbano e Econômico para obter informações sobre quantos quilômetros de ciclovias foram construídos e reformados em 2024 e as previsões para os próximos anos. Além disso, buscamos detalhes sobre a abertura de uma audiência pública para debater o tema com a sociedade civil. No entanto, até a publicação desta matéria, não recebemos respostas.
Este material jornalístico foi produzido com o apoio do Instituto Brasileiro de Transporte Sustentável (IBTS).
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