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Foto do escritorFelipe Migliani

Pesquisa revela que problemas de saneamento básico impactam a saúde mental das mulheres de Rio das Pedras

Na imagem podemos ver uma torneira aberta.
Foto: Douglas Teixeira / Agência Lume.

A pesquisa “Efeitos da Poluição e Enchentes em Mulheres de Rio das Pedras” traz relatos de 40 mulheres e estima que o impacto no sistema límbico do cérebro é superior a 70%.

Atualizado em 20/12 às 16h27.

 

Dados preliminares da pesquisa divulgados no último dia 5 de dezembro, contam com análises da água disponível na comunidade. As análises realizadas pelo Laboratório de Limnologia da UFRJ, mostraram uma péssima qualidade na água, comparada à água do vaso sanitário do Laboratório da UFRJ. 

 
 

Foram detectados níveis intoleráveis de poluição para o ambiente e para a saúde humana. Devido aos níveis alarmantes, a análise foi repetida. À medida que o estudo avançava, constatou-se que a poluição aumenta, atingindo seu ponto máximo no cruzamento do rio com a Avenida Engenheiro Souza Filho.


A pesquisa "Efeitos da Poluição e Enchentes em Mulheres de Rio das Pedras", foi realizada pelo Instituto Prover (Inpro) e pelo Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio, em parceria com instituições de Rio das Pedras e alunos do curso de formação de Agentes Comunitários de Pesquisa e Inovação da PUC-Rio, dentro do Plano Integrado de Saúde nas Favelas do Rio de Janeiro.


O anúncio foi relizado no auditório Rio Datacentro (RDC), na PUC-Rio, onde foram apresentados os resultados, destacando os impactos da poluição sobre a saúde física e mental das mulheres em Rio das Pedras, além de revelar indicadores críticos de pobreza, desigualdade e ausência de saneamento básico.

Na imagem podemos ver o auditório cheio de pessoas acompanhando uma apresentação.
Apresentação da pesquisa / Foto: Felipe Migliani / Agência Lume.

A análise da água ao longo do Rio das Pedras do ponto 1 (nascente) ao ponto 7 (final) mostrou um nível intolerável de poluição, que vai aumentando conforme os pontos demarcados ao longo do seu leito.


Flávia Lima é coordenadora do projeto social Recanto da Areinha. Ela conta que a  área no final de Rio das Pedras é a que mais sofre com problemas de saneamento básico e falta d'água.


"(...)Quando a água chega, que demora 5 a 6 dias para chegar, chega com com odor, com o gosto ruim e as pessoas sofrem. O índice de pessoas com problemas intestinais é alarmante no Rio das Pedras. Chegam lá no meu projeto pessoas falando 'eu tô mal', 'eu tô com uma sensação de vômito toda hora', 'eu não tô conseguindo comer', 'eu consigo comer mas ao mesmo tempo me dá vontade de colocar para fora tudo que eu como', e isso tem relação com a questão da água".
 
 
Dos entrevistados, 46% apontaram algum tipo de problema de saúde

A pesquisa indica que 94% dos moradores têm água encanada na residência e 75% precisam usar bombas para seu abastecimento. Dos entrevistados, 46% apontaram algum tipo de problema de saúde. Destes, 16% relataram seus problemas com a qualidade da água, correspondendo a cerca de um terço do total de problemas. A incidência de problemas emocionais também foi frequente citada entre as pessoas entrevistadas.


Com base nos relatos das 40 mulheres entrevistadas, estimou-se que o impacto no sistema límbico do cérebro é superior a 70%. Este sistema, que inclui diversas estruturas, segundo os pesquisadores, é fortemente afetado, indicando um significativo comprometimento emocional e psicológico.


As mulheres sofrem estresse e ansiedade por problemas financeiros, familiares e de segurança, agravados pela água contaminada e enchentes, que causam angústia e tristeza. As precárias condições de vida intensificam problemas emocionais e físicos, com doenças como pressão alta e problemas respiratórios sendo comuns.


A água contaminada e as enchentes causam traumas e perdas, enquanto o acesso limitado a serviços de saúde piora a percepção da saúde física, destacando a necessidade de considerar os impactos socioeconômicos e ambientais.


Diretor do Inpro, João Áureo conta que a pesquisa é voltada à saúde na favela, o impacto ambiental e a saúde física e mental das mulheres. Ele explica que os primeiros dados foram alarmantes, especialmente em relação à poluição em Rio das Pedras.


Segundo o pesquisador, a água que chega às pessoas na bica é insalubre, ele explica que essa é a terceira pesquisa da qual participou no território e que dessa vez a equipe procurou entender melhor o impacto na vida das pessoas.


"A gente começa a perceber que isso afeta não só a saúde física nas questões de pele, gastrointestinais, mas também afeta a questão emocional dessas pessoas. É químico. (...) Nós temos mais de duas mil laudas de depoimentos, nós não tínhamos como fazer os cruzamentos todos para apresentar hoje, então hoje a gente apresentou os mais simbólicos, o que isso está impactando na vida dessas pessoas e a gente tem percebido uma frustração com isso porque o território vive um momento difícil não só com a questão ambiental. Mas a questão ambiental vem agravando isso porque muitas vezes essa pessoa não tem recurso para comprar água mineral."

Os desafios e esperanças das mulheres de Rio das Pedras

A pesquisa revela que a maioria das mulheres tem entre 24 e 35 anos, com média de idade de 46 anos, e vive na comunidade há cerca de 22 anos. As vidas familiares variam entre laços estreitos e isolamento, com dificuldades para conciliar trabalho e responsabilidades. Amizades e vizinhança funcionam como redes de apoio, apesar das preocupações com violência. A fé em Deus é uma fonte de esperança e força para muitas das entrevistadas.


Segundo os dados divulgados, a poluição do rio causa mau cheiro, acúmulo de lixo e mosquitos, gerando estresse e ansiedade. A responsabilidade pela poluição é frequentemente atribuída ao poder público e aos próprios moradores da comunidade.


A maioria das mulheres avalia a qualidade da água como ruim ou horrível. Para evitar contaminações as entrevistadas disseram que tratam a água a fervendo, filtrando ou comprando água mineral. Em caso de doença, elas buscam atendimento médico.


O estudo também mostrou que as entrevistadas sonham com uma casa própria para criar seus filhos em segurança e aspiram por melhores condições de vida, incluindo segurança, saúde e educação. O bem-estar da família é central, desejando ver seus filhos crescer longe da violência. Contudo, a preocupação com o futuro dos filhos, temendo que repitam os ciclos de pobreza e violência, é um temor constante.

 
 
Mulheres Resilientes, Angustiadas e Resignadas

A pesquisa identificou três tipos de mulheres em Rio das Pedras: as resilientes, que possuem um forte senso de comunidade e superam adversidades com solidariedade e fé; as angustiadas, que sofrem intensamente com as enchentes e a falta de apoio; e as resignadas, que aceitam a realidade difícil das enchentes e focam em ações práticas para lidar com os problemas imediatos.


As angustiadas sofrem intensamente com as perdas causadas pelas enchentes, sentindo-se impotentes e desamparadas. Elas demonstram grande apreensão e revivem traumas, expressando frustração pela falta de apoio do poder público. O estresse e a ansiedade são constantes, afetando sua saúde física e mental, minando a esperança e dificultando a projeção de uma vida melhor.


As resignadas adaptaram-se às enchentes, focando em ações práticas para minimizar os danos, como proteger seus bens e buscar abrigo seguro. Elas aceitam as enchentes como inevitáveis e priorizam resolver problemas imediatos. Com baixa expectativa de mudança, expressam sentimentos de forma contida e adaptam-se à difícil realidade do rio e das enchentes.


O professor da PUC-Rio e membro do Inpro, Antônio Carlos Alkmin, contou que a equipe realizou entrevistas com as mulheres que vivem em condições precárias na parte mais pobre de Rio das Pedras. 

"Nós conseguimos extrair ali uma riqueza, que infelizmente, é uma riqueza dos relatos. Porque infelizmente a realidade é muito dura, muito crua para elas. E essa voz a gente entende que ela tem que repercutir, que ela tem que se transformar numa voz representativa dessas mulheres e de outras mulheres do país e do mundo que enfrentam os mesmos problemas. Então acho que tem vários méritos nesse projeto e eu pessoalmente sou muito agradecido porque eu aprendi muito com essa experiência."

Quem deve zelar pelo saneamento básico de Rio das Pedras?

Para entender melhor sobre os motivos que levam a comunidade de Rio das Pedras a sofrer com graves problemas de saneamento básico, e para entender que tipo de ações já foram ou são realizadas na região para tentar resolver o problema, a equipe da Agência Lume entrou em contato com diversos órgãos da Prefeitura como a Secretaria Municipal da Conservação, Rio Águas e Secretaria Municipal de Meio Ambiente.


A Secretaria Municipal de Conservação respondeu dizendo que essa questão não faz parte das demandas da pasta. E os outros órgãos citados não se pronunciaram oficialmente até o momento da publicação desta reportagem.


Também entramos em contato com a Iguá Saneamento, concessionária responsável desde 2022 pela distribuição de água, coleta e tratamento de esgotos na região, para entender quais medidas estão sendo tomadas para melhorar a qualidade da água distribuída às residências de Rio das Pedras, para saber se existe um plano de ação para reduzir os níveis de poluição no rio Das Pedras, para entender se a Iguá faz análises da água fornecida aos seus clientes e como a companhia pretende lidar com o problema de doenças intestinais que segundo a pesquisa é causado pela água contaminada.


A Iguá respondeu por meio de nota:

A Iguá esclarece que a qualidade da água fornecida pela concessionária atende aos padrões de potabilidade exigidos pelos órgãos reguladores. A matéria prima passa por análise e monitoramento constantes em um laboratório próprio, construído pela Iguá em 2023 e certificado pelo INEA e são reportadas mensalmente à Vigilância Sanitária.


A companhia reforça ainda que responde apenas pela qualidade da água que distribui. Historicamente, Rio das Pedras é uma região que enfrenta desafios significativos relacionados a ligações irregulares de água e consumo de fontes alternativas. Para lidar com a questão, a Iguá vem atuando na área, em projetos de médio e longo prazo para  atingir as metas estabelecidas no contrato de concessão.


Nós também entramos em contato com o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) para entender quais são os resultados das análises mais recentes da qualidade da água do Rio das Pedras realizadas pelo Inea, que medidas de fiscalização estão sendo tomadas para identificar e coibir fontes de poluição no rio, e se existe um plano de ação conjunto com outros órgãos para a despoluição do Rio das Pedras.


O Inea respondeu por meio de nota:

O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) informa que o saneamento básico é atribuição das concessionárias de água e esgoto. O órgão ambiental estadual não realiza o monitoramento da qualidade da água do Rio das Pedras.


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